Georges Simenon é, para mim, um porto seguro da boa leitura. Nos seus livros há gente, há sítios, aromas, gostos, amores, ódios... Leio-o com aquela confiança de que vou ler as palavras certas para mergulhar nas próprias histórias. Mas, ontem, conseguiu surpreender-me. Não me passava pela cabeça que um conto (não mais que meia dúzia de páginas!) como Mademoiselle Augustine (1932) estivesse tão longe do Simenon que eu conheço e tão perto de Edgar Allan Poe (fui, até, reler Ligeia (1838), essa história que também trata de renascimento e possessão, em tom bastante mais negro). Mademoiselle Augustine começa assim:
Quando, ontem de manhã, encontrei na escada a porteira que corria com ar abalado, eu já sabia da coisa, apesar de não me terem dito nada.Em "Nouvelles introuvables" (Omnibus, 2014), traduzido do belga um pouco a correr.
O que me terá levado a sussurrar, sorrindo:
— Então, ela está morta?
Ignoro-o. Foi mais forte do que eu. Eu estava muito alegre. Ou melhor, a palavra não é exata. Eu estava leve, leve. Lá fora, chovia. As paredes da escada estavam embaciadas. Havia vestígios de pés enlameados nos degraus, e no entanto aquela manhã tinha, para mim, um gosto de manhã de primavera.
Pobre porteira de olhos vermelhos, com o pequeno corpo febril, agitado, que corria de apartamento em apartamento para levar a correspondência ao mesmo tempo que a novidade! Será que ela viu que eu sorria, com um sorriso espontâneo e feliz, que subiu aos meus lábios sem que conseguisse contê-lo? Espero que não, porque ela é incapaz de compreender.
Pois esse, acho que me escapou, e tenho pena. A menos que me tenha esquecido - pouco provável!
ResponderEliminarÉ uma estranha história de fantasma.
EliminarEu deixo-o ler aqui:
https://drive.google.com/open?id=18YKRLmfRWzbVeQFGRVc7ozETsRUmhVg2
Repetidamente, grato.
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